Eu e minha casa vivemos numa espécie de simbiose. Me perco e me misturo nas cores, nas texturas, nos cheiros. Eu atravesso ela, ela me perpassa, e nos encontramos no meio, combinadas. Me descubro e me manifesto nas paredes, com tinta e com linha. Me transformo e me revelo nas ausências. Me permito imaginar o futuro, com as mãos apertando o tapete macio – minha forma sutil de agarrar o presente. Acendo um incenso e observo a fumaça, que sobe em linha reta, estável. Aqui eu posso ser vulnerável, como a fumaça que treme quando abro uma fresta da janela. Posso ter e ser meu próprio tempo. Posso decidir e mudar de ideia, quantas vezes forem necessárias. Eu bebo vinho e faço bagunça, leio um livro, desisto, danço e canto pela casa pra minha plateia invisível, preparo banquetes e como por dias, corto cebola e choro, e choro sem cortar cebola, dou gargalhadas e ligo pra alguém que amo, e lembro dos amigos sentados no chão da sala, rindo, e de jantares pra dois, e de lençol limpinho e do vento macio que entra pela janela à noite. Continuo vivendo – mas sempre lembrando. Se as paredes pudessem falar, diriam que aqui mora uma pessoa feliz ❣️