Sou observadora desde pequenininha. Lembro da minha fase aficionada por tatu-bolas: todos os dias antes de ir pra escola, eu procurava por eles na terra e colocava-os na palma da mão, sentindo cócegas enquanto investigavam os meus traços e achando graça das bolinhas que se tornavam quando meu indicador, curioso, encostava delicadamente nas suas costinhas. A paixão era tão grande que até parteira fui: certa feita, peguei uma tatu-bola que estava grávida e acariciei a barriguinha de leve, e uma explosão de nenês quase transparentes tomou conta da minha mão. Talvez vocês achem nojento, mas para a Bárbara criança foi uma grande aventura, contada por semanas a todos os amigos.
Hoje, a minha observação é limitada. Encaro as lombadas dos livros, as folhinhas secas que flutuaram até o fatídico encontro com o piso, onde jazem. Empurro alguns móveis, redescubro objetos caídos – no chão e no vão do esquecimento. Fecho os olhos e o aroma de baunilha penetra meu nariz e minhas memórias. Talvez ele não combine mais comigo. As plantas estão viçosas, tenho cuidado bem delas – às vezes, sai até uma conversa tímida. Um monólogo, na verdade, eu (ainda) não espero que elas respondam.
Meus pés descalços sentem o tapete; os sapatos parecem estar de castigo. O barulho dos carros atravessa janelas e portas e paredes. Queria silêncio, estou mais sensível ao que me perpassa. Fico nervosa mais fácil. Transpiro. Meu maior medo é não saber mais como agir no futuro. Eu, pessoa de pessoas, fico receosa que, ao me tocarem, eu me feche e, feito tatu-bola, me resguarde ao conforto de mim mesma. Volto pro agora, respiro fundo três vezes. Meu corpo formiga levemente, desejando movimento. Me espreguiço, me alongo, me observo. E lembro que o tatu-bola, quando se sente seguro, se estica e volta a desbravar a terra.