Tá nublado. A luz que desenha as bolinhas da persiana no edredom estão no ontem, aquele lugarzinho que existe só na nossa memória. E se, dia imemorável, apenas deixa de existir. A gente teima em se preocupar demais com besteira, temendo o futuro – que, até mesmo em segundos, fica logo ali no passado. A gente fica vivendo de ontens, remoendo ontens, chorando ontens. A gente pensa tanto em tempos que não nos pertencem (o que foi, o que virá), que o hoje pode passar até batido – e logo virar mais um ontem pra remoer. Eu sei que é difícil querer o hoje como se quer o amor, como se deseja uma comida gostosa, como se pede por um afago.
Difícil ter gana de hoje se o que nos cerca é um futuro quebrado. Não tem otimismo que aguente. Não tá tudo bem e não vai ficar tudo bem logo. É da vida. A gente vai vivendo dos pelo menos que nos cabem: pelo menos a família está com saúde, pelo menos tenho trabalho, pelo menos tenho hobbies que me ajudam a viver o tempo. Tá nublado, mas pelo menos um ventinho gostoso entra pela janela e arrepia os pelinhos da perna. Se amanhã não fizer sol, pelo menos eu tenho guardadas aqui comigo nos tantos ontens as bolinhas de luz que se derramam pelo quarto. Não tá tudo bem e não vai ficar tudo bem logo. É da vida.